Michael Doublott

Loucura

Publicado Por Michael Doublott As quinta-feira, abril 01, 2010



Um dia depois eu acordei num lugar remoto. Com luzes fluorescentes no teto, aquilo não poderia ser o céu, com certeza no céu não existem luzes fluorescentes. e a Dor? A dor da terra, aquela mesma dor que sempre senti antes, vi uma mulher se aproximando com uma agulha, e vi ela injetar a agulha no meu braço pálido.

- Acalme-se.

Era impossivel não ficar calmo, aquilo parecia ter o efeito de um sossega leão. Mas o que mais me intrigava no momento era aquela realidade. Estou vivo, pensei. Vai começar tudo de novo. Devo passar algum tempo aqui, até constatarem que estou perfeitamente bem. Depois me darão alta, e eu verei de novo as ruas da minha cidade, sua praça semi redonda, os canteiros com hibiscos, as pessoas que passam pelas ruas indo e voltando do trabalho.
Como as pessoas sempre tendem a ajudar as outras - só para se sentirem melhores do que realmente são -, eles poderão me devolver o emprego de volta, na escola primária da cidade. Com o tempo, voltarei a frequentar os mesmos bares e boates, conversarei com os meus amigos sobre as injustiças da vida e os problemas do mundo, irei ao cinema, passearei no centro comercial.
Como eu escolhi morrer de maneira nada deformante (pular de um prédio, ser atropelado) continuo jovem, magro , inteligente, pegável, e não terei - como nunca tive - dificuldades para encontrar alguém a quem ficar (mesmo que não obedeça meu padrão pessoal). Farei amor com ele (ou eles) em suas casas , ou mesmo nas praças, terei um certo prazer , mas logo depois do orgasmo a sensação de vazio voltará. Já não teremos muito o que conversar , e tanto ele como eu sabemos disso: chega a hora de dar uma desculpa um para o outro - "está tarde" , ou "amanhã cedo tenho que acordar" - e partiremos o mais rápido possível, evitando nos olharmos nos olhos.
Eu volto para o meu quarto na casa dos meus tios. Tento ler um livro, ligo a TV para ver os mesmo programas de sempre, coloco o despertador para acordar exatamante na mesma hora do dia anterior, repito mecanicamente as tarefas que me são confiadas. Como um sanduiche no jardim em frente a praça, junto com outras pessoas que também escolhe os mesmos bancos para lanchar, que têm o mesmo olhar vazio, mas fingem estar preocupadas com coisas importantíssimas. Depois volto ao trabalho, escuto alguns comentários sobre quem está saindo com quem, quem está sofrendo com o que, como tal pessoa chorou por causa do marido - e fico com a sensação de que sou privilegiado, sou legal, tenho um emprego, sempre tenho alguém do meu lado nem que seja para conversar. Aí volto aos mesmos lugares no fim do dia, e a coisa toda recomeça.
Minha mãe - que deverá estar preocupadíssima com minha tentativa de suicído - vai se recuperar do susto e continuará me perguntando o que vou fazer de minha vida, por que não sou igual às outras pessoas, já que, afinal de contas as coisas não são tão complicadas como eu penso que são. "Olhe para mim, por exemplo, que estou com seu padrasto a algum tempo, e procurei lhe dar a melhor educação e exemplos possíveis."

Um dia eu meu canso de ouvi-la sempre repetindo a mesma conversa e, para agradá-la, me caso com uma mulher a quem me obrigo a amar ( já que de algum modo ela nunca aceitará que um se quer more com outro homem). Eu e ela terminaremos encontrando uma maneira de sonhar juntos com o nosso futuro, a casa de campo, os filhos, o futuro dos nossos filhos. No primeiro ano iremos fazer amor o tempo inteiro, no segundo e no terceiro cada vez menos. A partir do quarto ano a a gente talvez pense em sexo uma vez a cada quinze dias, e transofrme este pensamento em ação uma vez a cada mês. Pior que isso, a gente quase não conversará. Eu me forçarei a aceitar a situação, e me perguntarei o que há de errado comigo - já que não consigo mais ter interesse por ela, ela ira reclamar por eu não lhe dar a atenção que "merece" e eu viverei falando dos meus amigos como se fosse realmente o meu mundo.
Quando o casamento estiver realmente por um fio, ela ficará grávida. Teremos o filho, passaremos algum tempo mais próximos um do outro, e logo a situação voltará a ser como antes.
E então.. percebendo que a velhice vem com o tempo, tanto eu como ela iremos engordar. Ela começará aquela velha luta passando por regimes, sistematicamente derrotada a cada dia, enquanto eu vou me acostumando com o declínio sexual e corporal pelo qual todos os homens vão passando após os 30. A essa altura , nós dois tomaremos essas drogas mágicas para não entrar em depressão - e novamente teremos mais um ou dois filhos em noites de amor que passaram depressa demais. Direi a todos que os filhos são a razão da minha vida, mas na verdade eles exigem minha vida como razão.
As pessoas vão sempre nos considerar um casal feliz, e ninguém saberá o que existe de solidão, de amargura, de renuncia atrás de toda a aparência de felicidade na vida de ambos. Até que um dia, quando eu arrumar minha primeira (ou meu primeiro) amante, ela talvez faça um escândalo, como ja vi muitos sendo feitos aqui na cidade, e eu mais uma vez humilhado por mim mesmo e derrotado pelo destino de felicidade alheia, talvez pense em mais uma vez me suicidar. Mas aí eu já estarei velho demais e covarde demais, com dois ou três filhos que precisam de minha ajuda, e devo educa-los, coloca-los no mundo - antes de ser capaz de abandonar tudo. Eu não me suicidarei: minha mulher talvez fará um escândalo e ameaçará de sair de casa com as crianças. Eu como todo homem irei recuar, direi falsamente que a amo e que aquilo não vai mais se repetir. Nunca passará pela cabeça dela que se eu resolvesse mesmo ir embora, a única escolha que eu teria seria ir para casa de meus pais ou de alguns amigos confiáveis, passar um tempo e depois decidir onde ficar até o fim da minha curta vida, tendo que escutar (no caso dos meus pais) que ela era uma ótima esposa apesar de seus pequenos defeitos, que meus filhos irão sofrer muito por causa da separação. Depois de três anos, um cara irá aparecer na minha vida (que já estava monótona demais por causa de mulheres e suas confusões). Ela irá descobrir - porque viu ou alguém falou, nas possibilidades mais comuns - mas desta vez vai fingir que não sabe. Vai lembrar de ter gasto toda a energia lutando contra a amante/o amante anterior, e não sobrou nada , é melhor aceitar a vida como ela é na realidade, e não como tínhamos planejado anos e anos antes. E minha mãe teria razão em relação a minha esposa, mas estaria totalmente engana em relação à minha felicidade. Eu continuarei sendo gentil com ela, continuarei trabalhando em um bom emprego, ganhando o razoável para viver bem e sustentar os filhos e a casa, comendo todos os dias o mesmo café da manhã , no mesmo banco da praça de antes, com meus livros que nunca termino de ler, os programas de televisão que continuarão a ser os mesmos daqui a dez, vinte, cinquenta anos...
Só que comerei o café da manhã com culpa, porque estarei engordando; e não irei mais a bares, porque tenho uma mulher que me espera em casa , para cuidar de filhos...
A partir daí, é só esperar os meninos crescerem, e ficar o dia todo pensando no suicídio, sem coragem de comete-lo e um belo dia, chego à conclusão e que a vida é assim, não adianta, nada mudará. Eu me conformo, e sei que vou passar o resto dos meus dias, as vezes desejando que meus filhos tenham uma vida que eu nunca tive, outras vezes feliz por suas vidas serem reprises exatas da minha... Eu estou bem... É sério.

Terminei esse monólogo, dois dias depois recebi alta, e mais uma vez tinha razão. Tudo começara de novo. e mais uma vez eu tento compreender o que a vida é para mim.

3 comentários:

Luiz disse... @ 1 de abril de 2010 às 07:46

Olha, adorei seu texto e estou te seguindo...espero poder ler outros tão bons quanto este. Parabéns!!!!

Unknown disse... @ 1 de abril de 2010 às 18:26

Li, gostei, espero o próximo.
Sobre o sentido da vida, é todos os dias que se vai vendo. Agora, sê feliz, aprendendo o que isso é :D
Tou por cá, já sabes :D

Anônimo disse... @ 1 de abril de 2010 às 23:03

what could anyone possibly have to say about reading something like this? Is there no joy in your life? why focus on the negetive? be grateful for the benefits of your life and not what is expected of your, because thats their failing and not yours.

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